Etnobotânica : O Desenvolvimento do Mundo Ocidental e as Plantas

"Simplesmente adormeceu a força na semente, um modelo incipiente, Deitado, fechado em si mesmo, curvado sob a cobertura, Folha e raiz e embrião formado, apenas, pela metade, e incolor; seca, a semente mantém protegida a vida assim conquistada, flui com esforço para cima, umedece-se suave e confiante, e ergue-se tão logo da noite se acerca." Johann Wolfgang de Goethe

Idade Antiga (4000 aC – 476 dC)

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        Os principais campos de estudo da etnobotânica envolvem a utilização de plantas no oriente e no ocidente antigo, taxonomia popular, vestígios arqueobotânicos, a origem e domesticação de plantas cultiváveis, efeitos ecológicos da atividade humana sobre a comunidade de plantas, o papel simbólico das plantas nas religiões, no folclore e nos monumentos sagrados de civilizações primitivas (Peri et al 1983). A etnobotânica faz estudos com duas principais finalidades, uma de explorar novas plantas como recursos disponíveis a se tornar matéria prima para indústria e outra como um instrumento de entendimento do papel das plantas na fomentação da cultura material.

Podemos dizer que foi na revolução neolítica que iniciou uma vida social ordenada e estratificada com comunidades estabelecidas. Até 10000 anos atrás as comunidades sociais humanas se estabeleciam em grupos nômades caçadores e coletores. Com o descobrimento dos ciclos das plantas e das estações a habilidade de plantar, germinar e cultivá-las foi desenvolvida. Em seguida, comunidades mais complicadas se organizam de forma sedentária e surgem em forma de cidades-Estados, adquirindo um sistema político elaborado, agricultura sacerdotal e, uso de moeda e sistemas econômicos permitindo o desenvolvimento de luxurias com a Arte e a Escrita. Todos esses processos ocorreram por volta dos 5 mil anos A.C. o qual foi chamado de “Período fértil crescente das terras Aráveis” em torno da Arabia selvagem. Esta área corresponde à região onde se encontra o Egito, Palestina, Siria e Mesopotâmia que até o fim do quarto milênio permaneceu como um complexo de vilas simples com agricultura primitiva e princípios tribais de organização social.

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Por um certo tempo, as plantas foram consideradas objetos passivos de utilidade ao homem. No entanto com o desenvolvimento da ecologia adquirimos uma maior compreensão do papel que temos em conjunto com elas inseridos em um mesmo sistema complexo e integrado. As plantas e a humanidade passaram a ser vistas como co-dependentes, e o trabalho de etnobotânicos foi transformar de um conhecimento compilado do uso de plantas à um entendimento, numa perspectiva biológica, do complexo sistema de interação entre ambos que culminou no desenvolvimento das civilizações.

Criticamente, vendo por uma perspectiva ecológica, as bases biológicas das relações entre as plantas e as sociedades humanas podem ser mensuradas tanto quantitativamente quanto qualitativamente por etnobotânicos de campo utilizando de dados empíricos (arqueológicos e etnoecológicos).
O desenvolvimento da agricultura surgiu em diferentes lugares em um mesmo período. Apesar de não ser claro se esse surgimento se deu de forma independente, as consequências pelo desenvolvimento em ambientes diferentes, com faunas, floras e geografias diferentes implicou na construção de culturas e organizações sociais com fundamentos bem diversos.

Egípcios

Os egípcios e mesopotâmicos com certeza foram os maiores deste período quanto ao desenvolvimento da engenharia, artístico, arquitetônico e cientifico. Os Papiros egípcios são repletos de registros com uso de plantas, especialmente as com finalidade medicinal, e também há várias indicações da flora tanto do Egito quanto de regiões vizinhas. Talvez o registro médico mais importantes dos egípcios seja o Papiro de Ebers, que foi compilado a mais ou menos 1550 A.C. de acordo com as fontes. Ele contem mais de 700 fórmulas e medicinas populares.

É importante salientar que essas civilizações amarraram em seu contexto expressões artísticas à religião e que sua religião estava ligada á magia – Magias relacionadas ao saber dos grãos e da agricultura, ao saberes da preparação de bebidas, aos estados elevados de consciência associado com as plantas; ao alívio de dores e a cura através do uso das plantas; e também com a ritualística do embalsamento dos corpos com resinas vegetais. Junto ao desenvolvimento desse conhecimento, a escrita apareceu, monumentos arquitetônicos surgem de pedregulhos, agricultura passa por mudanças radicais e a religião e ciências ocupam um lugar na cultura.

Sabe-se que nenhuma civilização se desenvolveu sem o estabelecimento de uma base agricultural; um ponto em comum entre os Egípcios e os Sumérios é que compartilharam o fato de terem estabelecidos próximos a Grandes Vales fluviais nos quais, por conhecerem técnicas de assoreamento da terra, o desenvolvimento da agricultura teve sucesso. No Egito a Aridez do Norte da Africa levou-os à se estabelecerem próximos ao Delta do rio Nilo onde puderam emergir como uma grande civilização. Da mesma forma na Mesopotâmia, Os Sumérios, um povo não semítico e não indo-Europeu, no início do Terceiro milênio A.C. instalaram nas terras iranianas por abandonaram a árida região do Golfo Pérsico.

Estabeleceram-se em ilhas e bancos pantanosos considerando as enchentes anuais dos rios e baseando-se em seus vales de irrigação, onde possivelmente criavam pequenos peixes e plantas aquáticas comestíveis como os rizomas de Nymphaea. A área apresentava vastas áreas areadas, permitindo o cultivo de trigo e cevada. Lá, rapidamente as Cabanas de Argila e Cana foram substituídas por uma original arquitetura em tijolos. Neste mesmo período, 3500 A.C. , em sepulturas foram achados objetos que indicavam dois tipos de práticas artísticas de seus costumes, Cerâmicas ornamentadas e a confecção de vestimentas caracterizadas. Antes mesmo da escrita já tinham desenvolvido a capacidade de construírem Barcos, com ornamentações florísticas e com retratação de animais. Já no final do segundo milênio as embarcações possuíam um design com diversas formas, além de formas animais e de plantas, algumas formas humanas também ( Um homem com um arco a frente do barco). Esses elementos com certeza não eram meramente decorativos e sim uma representação capaz de descrever suas próprias realidades. No caso de um caçador segurando um Arco, isso caracteriza muito a premissa de que a atividade caçadora e coletora é essencial para a subsistência e sobrevivência deles.

Podemos dizer que os Egípcios e Mesopotâmicos compartilhavam de uma diversidade de recursos semelhantes na região do Fértil crescente. E Portanto é possível caracterizar de forma parecida seus hábitos alimentares e medicinais.
A base alimentar dos egípcios eram o trigo e a cevada, com as quais faziam, respectivamente o pão e a cerveja (não como conhecemos hoje, mas uma bebida feita a partir do centeio). Muitas Leguminosas estavam envolvidas também, como a lentilha e o grão de bico, frutas como Melão, Melancia, o Figo e Tâmaras; a técnica de preparo de queijo a partir do leite de vaca e cabras já era amplamente utilizada; O consumo de carne, como de pato ou de caças complementares é comum também. Essa éra a base alimentar daqueles que compunham a elite social, enquanto que os mais pobres e escravos alimentavam basicamente de água e pão, alimentando-se raramente de frutas e carne. Dentro da Horticultura produzia-se também Cebola, alho, alface, coentro, cominho, funcho e os grãos de papoula. Praticavam a domesticação de abelhas e utilizavam o mel para adoçar.

Nymphaea caerulea – Muito Utilizada pelos Egípcios, e também pelos sumérios, da Lótus Azul era consumido as flores por conta de suas propriedades narcóticas e o rizoma cozido na alimentação. Há muitas representações em artefatos Egípcios com a Nymphaea, e sua presença é muito simbólica, sendo que a lótus azul, principalmente, simbolizando o Egito antigo. Estão desenhadas em tigelas, cerâmicas, ânforas, e também aparecem grafadas nos barcos. Também simboliza a morte e ressurreição do deus Osíris, já que ela floresce por três dias seguintes abrindo de dia e fechando a noite.

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No mundo novo – Astecas e Maias

Restaram ainda alguns registros pictóricos, remanescentes da tremenda perca que ocorreu com a colonização dos espanhóis, que foram decifrados e estudados. Esses registros indicam uma ampla afinidade etnobotânica com a propriedade de plantas, a riqueza das floras e a importância de muitas espécies, especialmente as de contexto mágico-religioso em ambas as culturas. Na época em que os espanhóis chegaram a America, os Astecas já tinham um enorme jardim botânico na cidade do México. O Primeiro herbário publicado sobre o novo mundo é de 1542 e é conhecido como “ Badinus Manuscript” feito pelo ‘Físico’ Azteca, Martín de la Cruz. O Volume é ilustrado com vários desenhos das principais plantas medicinais Aztecas, descritas com seus nomes nativos e seus valores terapêuticos. Logo depois, na mesma época, o Rei da Espanha enviou seu “Físico” pessoal para viver entre os Astecas e estudar suas Medicinas. Dr. Francisco Hernández passou vários anos entre os nativos compondo um Volume ilustrado em Latim – Rerum Medicarum novae Hispaniae Thesaurus, seu Plantarum, Animalium, Mineralium Mexanorum historia – Publicado em 1651.

Uma das principais plantas que constituem a alimentação do povo Asteca é o Milho. Usado como farinha, tortilhas, massas semelhantes a de tacos, pipoca e até mesmo bebidas. Junto ao milho, os mais comuns utilizados junto a este são feijões e abóbora. Junto a esses três, usa-se em misturas Tomates, pimentões, Pimentas chilli, Amendoins, diferentes tipos de batatas e batatas doce, cajus, e claro o Chocolate. O chocolate é mais utilizado pela elite, e estes recusam-se a beber o pulque, suco fermentado da Agave, uma bebida popular. Os Astecas também domesticaram abelhas para utilização do seu mel, patos e cães para carne. Alimentavam-se também de insetos como gafanhotos, formigas e minhocas.
Morning Glory – “ Ololiuqui” – Turbina corymbosa, Ipomoea violacea – é uma planta psicoativa bem utilizada para fins ritualísticos e medicinal entre os Astecas. Atribuía-se a esta as propriedades de serem capazes de tratarem de gonorreia, aliviarem as dores da malária, removerem flatulências e dissolverem tumores. Esta ainda era uma planta sagrada que de forma ritualística proporcionava uma religação com uma de suas divindades “The Seven Flower Gods”, o deus dos sons, poesia, primavera e o Patrono dos estimulantes e alucinógenos. Junto a essa prática ritualística, outras plantas são utilizadas. Entre elas algumas espécies de Datura sp. , o pulque, o Tabaco e os Cogumelos sagrados. Todas estas eram utilizadas em ritos de comemoração ou sacerdotais onde compartilhavam suas visões e experiências ‘transcendentais’.
O Cacau, Theobroma cacao é utilizado para o preparo de uma de suas principais bebidas. Contendo muita cafeína, o cacau causava uma sensação divina de bem estar, vitalizado o vigor físico e as capacidades mentais. Com fins medicinais era aplicado para o alívio de “perturbações mentais”.

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Europa

Os registros etnobotânicos na Europa indicam terem começado com Dioscorides, um Botânico Grego e Físico, que viajou largamente pela Grécia, Itália e Asia, já produzindo no Primeiro Século A.C. o compêndio “ De Matéria Medica” contendo mais de 500 plantas descritas.

Estudos com plantas alucinógenas oferecem contribuições quanto a origem e caracterização de diferentes e complexos tipos de crenças religiosas (La Barre 1938; Reichel-Dolmatoff 1971,75). Trabalhos com Antropologia medicinal destaca o significado não ocidental do conceitos de saúde e cura e, ao fazê-la, enfatiza a elaborada conexão entre crenças espirituais, predisposições psicológicas e farmacológicas que constitui a base de toda prática indígena envolvida com preparações ritualísticas com psicotrópicos.
Muito foi negligenciado quanto ao reconhecimento da diversidade de plantas Alucinógenas que existem e a relação que elas tiveram com várias civilizações primitivas no mundo, e que estas tiveram grandes influências nas cultura e nas Artes. As civilizações presentes na região do ‘Crescente Fértil’, por exemplo, empregaram o uso de plantas como Datura, Cannabis, Claviceps, Mandragora, Nymphaea, Vitis e possivelmente Papaver também tanto de forma medicinal quanto em ritualísticas “narcóticas”. Elas são muito bem representadas em artefatos (Vasos,) e artes dessas civilizações.


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A mandrágora (Mandragora officinarum), nativa do Mediterrâneo, crescida em regiões de orlas e clareiras, é uma planta da família Solanaceae (a mesma do tomate). Possui as seguintes características: herbácea, sem caule, dotada de flores campanuliformes azuis (formato de sino) , conhecidos como a “maçã do diabo”, devido ao seu aroma e toxicidade, sendo considerada afrodisíaca pelos árabes. Além dos seus frutos, todas as partes desta planta apresentam uma certa toxicidade e podem ser prejudiciais aos humanos se consumidos de maneira errada. Sua toxicidade se deve a presença de alcalóides tropânicos, como a hiosciamina e hioscina, substâncias responsáveis pela amnésia causada pela ingestão dos frutos dessa solanácea. Apesar de todas as propriedades afrodisíacas, muitas das lendas, crenças e superstições eram devido à raiz bifurcada e retorcida que tinha formato antropomórfico.

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A primeira vez que amêndoas são mencionadas na literatura grega ocorre a 500 anos A.C. na comédia de Eupolis, Attic. Nesta obra ele indica que no festival Trácio em Kotytia as amêndoas eram utilizadas para iniciar um juramento. Quanto a ser comestível, as amêndoas podem ser usadas em cosméticos e óleos medicinais e aromáticos. Era usado como um supressor de tosses e sedativo brando também. Em doses moderadas ou pequenas podem ser benéficas.

Era aconselhável que mascassem 5 ou 6 sementes de estômago vazio para manter a sobriedade após um banquete e muita bebida. Além da propriedade neutralizadora do estado de embriaguez, ela também é capaz de ajudar na digestão e respiração. Caso fosse ingerido um punhado, com certeza seria fatal pois as amêndoas possuem um metabólico tóxico. Em baixas doses, o mesmo princípio ativo responsável pela toxicidade pode causar efeitos psicoativos.

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Por causa do clima, os gregos estavam habituados a uma alimentação bastante frugal. Deviam sua força e saúde tanto a sobriedade como ao habito de exercícios físicos. Os cereais constituíam a base da alimentação; a farinha de trigo servia para fabricar o pão, (os gregos distinguiam os povos civilizados dos povos selvagens pelo uso do pão). A farinha de cevada era dissolvida na água ou no leite para se fazer uma papa, que era o alimento habitual dos pobres.

De preferência comiam-se legumes (alho, cebola, alho poro, alface, favas) e frutos (azeitonas, figos, amêndoas, uvas passas, tâmaras, romãs). A carne raramente aparecia nas mesas: nos dias de festas, assava-se um cordeiro ou um cabrito; às vezes servia-se carne de boi, mais frequentemente carne de porco. Como grandes caçadores que eram, os gregos apreciavam as carnes de caça: principalmente, as carnes de lebre, perdiz, codorniz e tordo. A pesca também fornecia uma parte dos alimentos, os pobres compravam sardinhas e atum dos vendedores. Comumente, tomava-se água, o vinho era reservado para os dias de festas e principalmente para os banquetes.

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Em geral os gregos faziam três refeições diárias, ao levantar-se, tomava uma refeição ligeira de pão e vinho puro; ao meio dia mais ou menos, o almoço bastante reduzido. A principal refeição era o jantar, nos jantares de cerimônia, além das entradas, a mesa era servida mais duas vezes, na primeira vez ofereciam-se peixes, legumes, carne; na segunda: frutas e doces. Algumas vezes antes de dormir era habitual servir uma ceia ligeira.

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