Etnobotânica : O Desenvolvimento do Mundo Ocidental e as Plantas

"Simplesmente adormeceu a força na semente, um modelo incipiente, Deitado, fechado em si mesmo, curvado sob a cobertura, Folha e raiz e embrião formado, apenas, pela metade, e incolor; seca, a semente mantém protegida a vida assim conquistada, flui com esforço para cima, umedece-se suave e confiante, e ergue-se tão logo da noite se acerca." Johann Wolfgang de Goethe

Idade Média (476 – 1453)

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                   Nessa seção, realizamos uma entrevista com a doutoranda em Letras pela UFPB. Tem experiência na área de História, com ênfase em História Literária Medieval, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura medieval, literatura medieval portuguesa e francesa, literatura e mitologia nórdica, mitologias celestes e Etnoastronomia na Antiguidade.com o objetivo de entender melhor qual era a relação de nossa espécie com as plantas ao decorrer da idade média.

Economia e Comércio

P: Olá Luciana, você poderia começar nos falando um pouco sobre qual era a influencia das plantas na economia da idade média?

R: Os vegetais em geral têm uma importância impar tanto na economia como na vida cotidiana das populações medievais. Temos que pensar que a agricultura e também a coleta, pois as florestas são fundamentais para a manutenção da vida: as castanheiras, aveleiras e mesmo o carvalho forneciam não só a madeira mas os seus frutos eram essenciais pois além de ser consumidos in natura também era possível fazer farinhas e pães com eles. Além disso as grandes casas e castelo bem como os mosteiros possuíam hortas que forneciam verduras e legumes e também ervas aromáticas e medicinais que eram utilizadas como condimentos e eram largamente utilizadas na preparação de remédios. Podemos afirmar que o cultivo e também o comércio de todos esses vegetais em feiras que aconteciam periodicamente eram fundamentais não só por gerarem renda mas por constituírem a base da vida medieval.

P:  E qual era a dimensão do comércio relacionado às plantas?

R: O comércio de vegetais acontecia majoritariamente nas feiras onde muitas vezes era praticado o escambo pois muitos camponeses não possuíam moedas mas produtos que podiam ser facilmente ser trocados por outros e, na maioria das vezes os vegetais que não eram cultivados nas hortas particulares podiam ser adquiridos nessas trocas. O mesmo acontecia com as ervas aromáticas e medicinais. Já os mosteiros possuíam hortas muito grandes e elas eram divididas as que produziam legumes e hortaliças e uma horta que mais tarde veio a formar o conceito do que hoje conhecemos como jardim: nela eram cultivados somente espécies vegetais utilizadas para a fabricação de medicamentos e os temperos utilizados para aromatizar a comida e também o vinho e a cerveja produzidos para o consumo mas também para a venda.

P:  Como as plantas influenciaram o desenvolvimento das populações da idade média?

R: É fundamental compreendermos que o cultivo de vegetais e aí podemos incluir todos os tipos: trigo, sorgo, aveia, centeio, cevada, lentilhas, ervilhas, favas, tubérculos, hortaliças, feijões, frutas, vinhas, ervas aromáticas e medicinais foram fundamentais para o desenvolvimento tanto humano como comercial na Idade Média. Um bom exemplo do uso e, posteriormente cultivo e comércio de plantas aromáticas e medicinais é o lúpulo. Essa planta invasora que devia ser podada frequentemente senão invadia as hortas e “roubava” espaço, luz e nutrientes das outras plantas cultivadas passou a ser estudada por uma monja chamada Hildegarda de Bingen no século X. Ela estudou as propriedades adstringentes e de conservação dessa planta e, descobriu que quando acrescentada à cerveja que era preparada pelas monjas do mosteiro além de conferir um sabor amargo à bebida a cerveja passou a se conservar por mais tempo. Como se sabe o lúpulo é utilizado até hoje na fabricação da cerveja. E, isso, devemos a curiosidade, estudo e experimentação de uma monja medieval!

P: Quais eram as plantas mais valorizadas comercialmente?

R: Com toda certeza as plantas com o maior valor comercial eram sem dúvidas os cereais. O trigo, o centeio, a cevada, a aveia serviam de base para se fazer o pão que em muitas refeições servia como uma espécie de prato (a trincha era uma fatia de pão de vários cereais redonda e bem grossa que servia de base para se apoiar as carnes que seriam consumidas nas refeições nos castelos e depois podia ser comida).

Agricultura e alimentação

P: Como era o sistema de agricultura? Quais eram os vegetais utilizados? Qual era a escala de produção dos cultivos?

R: A agricultura era uma tarefa executada por todos os camponeses: homens, mulheres e crianças, mas somente os homens semeavam pois na crença medieval o homem é portador da semente que fecunda a mulher e portado se a semente era jogada na terra por mãos femininas ela não “vingava”. Os campos eram divididos em partes e uma parte dele sempre ficava descansando. Era praticada uma agricultura rotativa e obedecia ao seguinte ciclo: semear na Primavera, no Verão tudo crescia e frutificava, no Outono era realizada a colheita e no Inverno tudo descansava. Como o plantio dependia das condições climáticas favoráveis e não existiam os fertilizantes artificiais o descanso de uma parte do campo era essencial para que a fertilidade do solo fosse mantida. Eram comuns os Invernos rigorosos demais e as Primaveras pouco chuvosas ou Verões muito quentes e as colheitas eram poucas gerando assim os grandes surtos de fome e, consequentemente a morte de boa parte da população e, nesses casos mesmo recorrendo ás florestas que eram grandes fontes de alimentos – caça, frutos silvestres e uma grande quantidade de legumes comestíveis – não era suficiente para todos. Os cereais como citei acima eram os mais cultivados.

P: Quais eram os vegetais mais consumidos na alimentação?

R: Você encontraria com certeza o nabo (Brassica rapa) (muito diferente desse que encontramos hoje!), a Chicória, (Cichorium intybus) a cenoura,(Daucus carota) a cebola (Allium spec.) e o alho poro (Allium ampeloprasum). Que como já disse possuíam um uso culinário mas também medicinal.

Paisagismo e Construções

P: Quais vegetais utilizados nas construções?

R: As madeiras usadas na construção das casas eram nobres: o carvalho,(Quercus faginea), freixo,(Fraxinus excelsior) aveleira, (Corylus avellana) pinheiro (Picea abies) eram largamente empregados. No caso da Escandinávia essas madeiras eram também utilizadas para a construção de navios. São consideradas madeiras nobres pela sua durabilidade.

P: Se voltássemos para essa época, quais seriam 5 plantas que teríamos grande chance de ver nos jardins?

R: Você me fez uma pergunta difícil! Como elencar somente cinco plantas!  Escolhi cinco muito utilizadas na Escandinávia pois essa região é atualmente o meu foco de estudo. Mas vamos lá: com certeza em todo jardim não podia faltar:

1-) Sálvia (Salvia officinalis)utilizada como cicatrizante, antiinflamatória e indispensável para a higiene bucal para aromatizar carnes brancas. 

A sálvia era utilizada juntamente com um punhado de sal em um pano limpo para escovar os dentes.

2-) Calendula  (Calendula officinalismuito utilizada para aromatizar os sabonetes mais finos misturada com banha de porco e urina fresca (podia ser humana sim!) e funcionava com adstringente.

Suas pétalas de folhar eram empregadas em curativos por serem excelente cicatrizante.

3-) Artemísia (Artemisia vulgaris) – planta largamente utilizada pelas parteiras para facilitar o trabalho de parto e também conferir à parturiente uma leve analgesia.

Muito utilizada também para os males dos estômago e para conferir certo sabor à cidra, hidromel e cerveja.

4-) Mil-folhas ( Achillea millefolium) – excelente analgésico quando utilizado em chás e as folhas eram amassadas com banha e embrulhadas em um pano aquecido e aplicado nas machucaduras.

5-) Alho-poró (Allium ampeloprasum) – Era utilizado como condimento mas também como um poderoso antibiótico e cicatrizante pois um cataplasma de suas folhas eram aplicado nas feridas mais profundas para que elas se fechassem.

Seu chá também era empregado com o mesmo fim. Hoje o seu uso está restrito somente à culinária.

Para concluir…

Um estudo de 2013 publicado no Danish Journal of Archaeology:  “Viking Age garden plants from southern Scandinavia – diversity, taphonomy and cultural aspects” traça  um panorama do que de todos os vegetais que eram cultivados nos jardins das casas no Sul da Escandinávia durante a Era Viking (séculos VIII – XI). Além de apresentar o nome popular e o científico os pesquisadores tiveram o cuidado de fazerem croquis dos locais de cultivo de cada uma das espécies cultivadas.

Esse trabalho é demasiadamente interessante pois ele nos mostra como o diálogo multidisciplinar é fundamental para o avanço das pesquisas principalmente no que diz respeito ao cultivo e uso de plantas tanto na culinária como na medicina caseira. Infelizmente o cenário brasileiro mostras-se engessado e encastelado: por um lado os Historiadores que se dedicam ao estudo da Idade Média fecham-se em documentos que dizem respeito à Igreja e as instituições e não veem lá com muito bons olhos outras documentações como, por exemplo a literatura ou os manuscritos que descrevem com minúcias as plantas utilizadas naquele período, por sua vez os botânicos também não demonstram esse interesse em estudar esse material e juntamente com historiadores e arqueólogos estabelecerem um diálogo profundo e constante que possa debruçar-se sobre esses manuscritos – muitos deles estão disponíveis na internet o que em tempos de falta total de recursos para a pesquisa facilita sua consulta! – e assim poder entender muito do uso de plantas medicinais no Brasil que tem suas raízes na Idade Média!

Luciana de Campos tem 45 anos, é Graduada em Letras/UNESP Araraquara, mestre em História pela UNESP Franca, faz doutorado em Letras na UFPB e é pesquisadora do NEVE Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos e atualmente desenvolve uma pesquisa sobre o Mito da Mulher Guerreira na Saga de Hervor e tem um interesse imenso sobre botânica e uso medicinal e culinário de ervas e plantas na Idade Média. Paralelo a tudo isso desenvolve pesquisa sobre Gastronomia Histórica baseada no reconstrucionismo histórico.

 

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